A Amazônia que resiste

Jornadas Anarquistas Anti-COP30 propõem alternativas libertárias à crise climática

Por Ismael Machado, em Amazônia Real

(Belém) – Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém se torna palco de uma experiência política e cultural incomum no Brasil: as Jornadas Anarquistas Anti-COP30, promovidas pelo Centro de Cultura Libertária da Amazônia (CCLA). No mesmo território onde governos e corporações se preparam para debater a “sustentabilidade” global sob o olhar do mercado, o CCLA ergue uma contraposição radical, ou seja, um espaço de reflexão, convivência e ação direta que questiona as próprias bases do sistema responsável pelo colapso ambiental.

Enquanto a cidade se prepara para receber a cúpula internacional da ONU, o CCLA propõe outro caminho, ideal, embora complexo, que seria o da autogestão e da solidariedade entre os povos. Em vez de painéis empresariais, metas de carbono e marketing verde, as Jornadas apostam em práticas comunitárias, horizontais e libertárias, inspiradas nas experiências de povos ribeirinhos, quilombolas, indígenas e periféricos. É uma recusa consciente à lógica do espetáculo climático e uma afirmação de que a resistência amazônica não precisa de autorização para existir. Essa é a ideia central por trás do movimento paralelo.

O manifesto que inaugura o evento é direto:

“A crise ambiental global não é resultado das ações individuais, mas de um sistema que transforma a natureza em mercadoria.”

Para o coletivo, slogans como “faça sua parte por um mundo melhor” são cortinas de fumaça que desviam o olhar dos verdadeiros responsáveis pelos desastres socioambientais, no caso as elites econômicas, os governos e as corporações transnacionais. A COP30, afirmam os organizadores, é apenas “um palco para quem causa a crise posar de solução”, legitimando o que chamam de capitalismo verde: um modelo que tenta vender “sustentabilidade” sem abrir mão da lógica do lucro e da destruição.

Conceitos como bioeconomia e mercado de carbono são tratados pelo coletivo como novas formas de apropriação e controle da natureza, travestidas de boas intenções.
O discurso da “transição verde” seria, segundo o CCLA, apenas a atualização ecológica do mesmo sistema que empurra comunidades inteiras para fora de seus territórios em nome do progresso.

“Que os ricos paguem pela crise ambiental”, diz o texto de abertura das Jornadas. “Os povos das águas, das várzeas, das florestas, do campo e das periferias urbanas apontam o caminho para superar a crise.”

Localizado na Rua Bruno de Menezes (General Gurjão), 301, no bairro da Campina, centro comercial de Belém, o Centro de Cultura Libertária da Amazônia transforma seu espaço, entre 9h e 20h, em um território de experimentação política e cultural.

Durante quase duas semanas, o público poderá participar de oficinas, debates, exibições de filmes, feiras, lançamentos de livros e apresentações artísticas, sempre com entrada gratuita e almoço vegano ao meio-dia.

Entre os destaques da programação estão:

– Oficinas de brinquedos e instrumentos musicais, voltadas a crianças e adultos;

– O Cine Breu, mostra de cinema político com filmes de Carlos Pronzato, como Lama – o crime Vale no BrasilDesmascarando o Marco Temporal e Bolívia: A Guerra da Água;

– Mesas-redondas sobre o anarquismo na Amazônia, história do movimento libertário, crise ambiental, raça e classe;

– A Feira Anarquista, com livros, zines, artesanato e comidas veganas;

– Performances e shows, como Escárnio: Act-EscrutínioKasa KromBruma Etérea e Ricardo Sodré (Máquina de Escrever);

– E lançamentos literários, como Silêncio a Plenos Pulmões (Clei Souza), As soluções já estão aqui! (Peter Gelderloos) e Extrativismo (Anna Bednik).

O evento também homenageia o Dia da Consciência Negra (20 de novembro) com a Marcha da Periferia, que parte da Ponte Tucunduba, entre os bairros do Guamá e Terra Firme e termina com roda de Capoeira Angola, debate com a militante Vânia Ramos e tributo à ativista Joseni Souza.

As Jornadas se encerram no dia 21 com a exibição do documentário Sem Deuses, Sem Mestres: História do Anarquismo III e uma análise coletiva da COP30, reafirmando os valores que sustentam todo o evento: horizontalidade, solidariedade e autogestão.

Além da programação cultural, as Jornadas se apresentam como um chamado à ação direta. Entre as propostas discutidas para um futuro breve está a convocação de uma greve geral, envolvendo estudantes, trabalhadores e movimentos sociais. Ainda que essa seja uma meta complicada de ser cumprida, dadas as atuais condições de mobilização dos diversos atores sociais brasileiros, não deixa de ser uma provocação até certo ponto necessária. A ideia do coletivo é interromper o cotidiano para lembrar quem realmente produz as riquezas do mundo e quem mais sofre com sua destruição.

Para os organizadores, a COP30 simboliza a contradição máxima de um sistema que, ao mesmo tempo em que devasta florestas, quer lucrar com a venda de “créditos de carbono”.

“Os mesmos governos e empresas que exploram a Amazônia agora se apresentam como salvadores do planeta. A COP30 legitima a privatização da natureza, é o lobo cuidando do galinheiro”, afirma trecho do texto de divulgação da Jornada. Frente a isso, o chamado é por autogestão, aprendizado coletivo e ocupação dos espaços públicos. Um convite à desobediência organizada, à reconstrução de vínculos comunitários e à criação de territórios livres, onde a resistência se torne prática cotidiana e não apenas discurso.

Até mais do que um evento, as Jornadas Anarquistas Anti-COP30 oferecem-se como uma experiência de imaginação política e autonomia coletiva. Isso é um ponto fora da curva diante de uma COP que pode, sim, até trazer propostas de soluções, mas tende também a ser um espetáculo midiático. O próprio fato de várias empresas complexamente envolvidas nas causas dos problemas socioambientais enfrentados pela região atualmente estarem patrocinando a COP-30 já causa estranhamento e, obviamente, desconfiança, por parte de diversos movimentos sociais.

O CCLA se define como “um espaço de resistência e criação”, um laboratório social onde se testam novas formas de convivência, economia e solidariedade. Em um tempo em que a Amazônia é transformada em vitrine de promessas verdes e acordos de compensação de carbono, a Jornada, dentro de suas próprias limitações de alcance, é um evento que lembra ser a resistência um caminho árduo, mas promissor em sua essência. Para quem organiza e participa da Jornada, imaginar outro mundo não é utopia, é urgência.


Serviço:
Jornadas Anarquistas Anti-COP30

Centro de Cultura Libertária da Amazônia (CCLA)

Rua Bruno de Menezes (General Gurjão), 301 – Campina – Belém (PA)

De 10 a 21 de novembro de 2025

Das 9h às 20h – Entrada gratuita

Almoço vegano ao meio-dia

Feiras, oficinas, debates, cinema político, shows e lançamentos de livros.

Movimentação durante a madrugada no mercado de açaí e peixes do Ver-o-Peso, em Belém (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).

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